sexta-feira, 14 de agosto de 2015

"Chico-espertismo" de Centro Comercial

Olá a todos!

Passou-se muito tempo (demasiado tempo) desde a última vez que vos escrevemos neste nosso cantinho. Na verdade, quando o corpo se deixa levar pela preguiça, quando a rotina nos assalta o espírito, e nos aprisiona na sua temível e imparável engrenagem, as horas tornam-se dias, meses, e o que planeámos fazer "dentro de uns tempos" acaba por ser adiado ad aeternum.

Escrever aqui, para além dum excelente exercício mental e do enorme prazer que proporciona, tem também em si algo de docemente catártico. Há muitos de vós que nos conhecem pessoalmente, e sabem perfeitamente que não recusamos uma boa dose de prosa catártica de quando em vez. Pessoalmente, sinto-me agradecido (e até surpreendido) que tantas pessoas gostem ou sintam falta das barbaridades que para aqui rabisco.  

Numa semana dominada pela recta final de uma intensa e prolongada mudança de habitação, em que possivelmente me tornei cliente VIP da loja de materiais de construção (e mais umas coisas), cujo nome ninguém sabe proferir correctamente, mas que tem nome de mago (Merlin), e também da conhecida loja de mobiliário sueco (que todos sabem qual é mas que, curiosamente, também ninguém sabe a forma correcta de proferir aquelas quatro letrinhas), preciso muito, muito, muito duma boa dose de catarse. Oh, se preciso...

As idas ao Shopping são, para mim, um martírio. Por princípio, odeio ter de gastar demasiado tempo a fazer compras de qualquer tipo, porque acho que já desperdiçamos demasiado do nosso precioso e raro tempo livre com coisas inúteis, como ver a cada vez mais fastidiosa e insípida televisão, ou a aturar clientes malucos e patrões prepotentes. Gastar tempo tão valioso -  que deveria ser passado a ler, ou com amigos ou família à volta duma mesa, a beber uns copos ou à roda de jogos de tabuleiro, ou a brincar com os nossos filhos, ou a fazer o amor de forma despreocupada, despudorada e imparável (e tão mais felizes e em forma poderíamos andar se gastássemos mais tempo nesta última actividade...) -  na obtenção de artigos que, na sua maioria, são efémeros e facilmente substituíveis, não faz lá muito sentido, não acham?

Não digo que não seja importante escolher bem o que vai para o nosso frigorífico, ou que tipo de mesa queremos para a sala, ou até mesmo qual o par de calças que melhor nos assenta. Devemos dar asas ao nosso bom gosto e fazer escolhas sensatas. Mas, porra, não estamos propriamente a tentar descobrir a cura para uma doença grave, ou a tentar resolver elaboradas equações matemáticas. 

O processo não podia ser mais simples:

Preciso do artigo Y   -   Encontrei o artigo Y   -   Paguei   -   Vim embora   -   Aproveitei bem o resto do tempo que sobrou a fazer algo realmente espectacular, como construir um puzzle.

O problema é que, como sempre acontece, não é assim que a grande maioria da população portuguesa se comporta, especialmente nesta altura do ano (Verão). Aquilo que, em teoria, é um processo simples, passa a ser um intrincado jogo de sombras, tácticas sujas, guerrilha urbana, muito por culpa duma nova "seita", cada vez mais numerosa e implacável, sem líderes mas com fiéis seguidores. Falo, obviamente, dessa quase "bandeira" do nosso pais: o chico-espertismo. Mais concretamente, o "chico-espertismo" de Centro Comercial.

No final de contas, de quem falo?

Daquela malta que vai para o Shopping e que insiste em estacionar em 2ª fila num estacionamento subterrâneo, só porque tem de ficar a centímetros da entrada para as escadas rolantes, porque mexer as putas das pernas custa muito, e o carro ali parado nem incomoda nada. Invariavelmente temos os pisos -1 repletos de carros, carrinhos e carretas, muitas vezes mal estacionados - ou, como gosto de dizer, estacionados "à filho da puta", a ocupar o lugar de duas viaturas, ou num lugar para deficientes, só porque a malta é tão estúpida e preguiçosa que nem se dá ao trabalho de procurar o piso -2. Se assim fosse, meus amores, se os pisos -2 ou -3 fossem meramente espaços decorativos , os rapazes que projectaram estes estabelecimentos, não se tinham dado ao trabalho de os criar, certoooo?

E ali, logo ali, não contentes com os péssimos estacionamentos feitos, as pessoas dão continuidade às suas maratonas de exuberante estupidez, atropelando-se nas entradas para as escadas ou tapetes rolantes, acreditando possivelmente que entrar à frente de todos os outros, muitas vezes com tentativas de abalroamento, vai fazer com que ganhem alguma taça ou medalha. E, não contentes com isso, mesmo vendo que o espaço exíguo que separa as barras laterais das escadas ou tapetes estão carregados de outras pessoas, decidem "furar". Porque, reparem, o grande objectivo de fazer escadas ou tapetes ROLANTES, é precisamente que tenhamos possibilidade de poupar as pernas durante aqueles 15 metros. Senão, chamar-lhes-íamos só "escadas". Ou "tapetes". Não seriam rolantes. 

Finalmente chegámos aos pisos do Shopping, e a "festa" continua. Gente que decide parar sempre nos piores locais, porque achou um artigo interessante, e pensa que pode parar em qualquer lugar, mesmo que seja "hora de ponta" no Shopping mais movimentado da cidade, e aquela paragem esteja a colocar em dificuldades os restantes transeuntes.São estes energúmenos, muitas vezes, os mesmos que fazem a mesmíssima coisa, mas com um carrinho de compras ao lado, nos estreitíssimos corredores dos Hipermercados. 

Ou aquela malta que, no preciso momento em que o piso da Alimentação está a abarrotar, e onde muitos estabelecimentos não permitem pagamentos com multibanco, decide ir pagar as contas do mês na única ATM disponível num raio de 300 metros. E porquê? Porque é gente que, na sua génese, possui o mesmo nível de inteligência que uma rocha de 2 toneladas. São burros como cêpos. São como calhaus. 


É a malta "tolinha" pelas promoções. A malta que, quando o atum em lata está 3 cêntimos mais barato, sai de casa a correr, muitas vezes bem cedo pela manhã (que será quando a estupidez está no seu auge, devido ao lento funcionamento do cérebro por essa hora) para ir para o corredor dos atuns, parar à frente de cada um e tomar a difícil decisão de esolher o atum em óleo ou azeite, com 3 ou 4 cêntimos de desconto, para poder comprar umas 100 latas, porque é um investimento espectacular, na cabeça destes chicos-espertos. Isto claro, atravessando o carro em frente às prateleiras dos atuns, para que mais ninguém possa escolher daqueles atuns e, se possível, para impossibilitar a circulação naquele corredor aos demais clientes. Porquê? Porque sim.  

Esta é a malta que faz fila à porta daquele outro supermercado -  que tem dinheiro de sobra para fazer promoções inacreditáveis nos dias 1 de Maio de cada ano, obrigando os trabalhadores a passar por autênticos infernos ano após ano, mês após mês, em troco de ordenados de 200 ou 300 euros - desde as 6 da manhã, porque os garrafões de água estão super baratos e é melhor levar umas boas dezenas de garrafões, não vá haver uma catástrofe natural ou um ataque nuclear nos próximos dias que nos deixe a todos dependentes dos nossos abrigos subterrâneos e dos alimentos que lá temos armazenados. 

Os mesmos que, não obstante a fila interminável por que passaram (isto quando não conseguem passar sorrateiramente à frente dumas quantas pessoas, ou quando não decidem levar com eles um bebé que não é bem um "bebé de colo", que até foi sentado a puta da viagem toda dentro do carrinho, mas que é suficientemente pequeno para justificar que passem à frente nas caixas prioritárias), decidem perder 10 minutos no acto de pagamento, porque tinham um cupão que os ia fazer poupar 80 cêntimos numa compra total de 100€, infernizando a vida às meninas que trabalham nas caixas, obrigando a que por vezes seja quase necessário chamar o presidente da junta de freguesia local para resolver a situação.

E aquele riso de conquista com que abandonam o local, depois de obterem exactamente aquilo que pretendem será possivelmente uma razão bastante válida para que a criminalidade violenta entre clientes de hipermercado/shopping comece a disparar para níveis estratosféricos.

E quando pensamos que as coisas não poderiam piorar, os "chico-espertistas" conseguem supreender-nos. É que esta malta trabalha bem, mas nunca em missões "a solo". E portanto, toca a reunir a família toda, e assim se passa um excelente fim de tarde. Enfiados num Shopping, a tentar ocupar o máximo de espaço nos corredores dos hipermercados, porque não há nada mais interessante para fazer naquelas miseráveis vidas, de pessoas miseráveis de miseráveis princípios. 

No espaço de uma semana, á custa da mudança de casa, passei mais tempo do que em toda a minha vida numa loja de mobiliário sueco. Corrijo, passei mais tempo do que em toda a minha vida numa qualquer loja de qualquer tipo de mobiliário. E consegui perder cerca de 5% do tempo a escolher e a recolher artigos, e os restante 95% a tentar encontrar caminhos alternativos à estupidez colectiva. 

Um grupo de 4 adultos, por exemplo, achou que seria uma óptima ideia levar consigo um conjunto de sete miúdos (repito, sete!), todos a aparentar 8-10 anos de idade para uma loja de mobiliário sueco, numa tarde de Agosto, só porque o tempo estava mau. Tenho a certeza absoluta que os miúdos adoraram a eperiência, bem como a dezena e meia de pessoas que ficou com unhas pisadas à conta das calcadelas que as correrias das crianças (que deveriam estar a brincar em casa) causaram, e a outra dezena e meia que ficou sem tímpanos durante um bom par de horas, muito por culpa dos berros histéricos que aquelas goelinhas soltavam a cada novo espaço de decoração encontrado. Estou certo que os senhores fucnionários do IKEA ficaram loucos de alegria quando esse mesmo grupo de crianças se dedicou a "destruir" com saltos e pontapés (no fundo, criancices próprias de miúdos de tenra idade) um dos quartos de exposição da loja. Claro que ás bestas quadradas que decidiram levar 7 crianças para dentro dum estabelecimento daqueles, numa altura de férias, isso deve até ter parecido giro. Sim, porque nenhum dos anormais foi capaz de distribuir ali uns tabefes à canalhada. Sorriam e tudo. E quando os vi (aos adultos) deitar-se em cima das camas em exposição, mesmo que tal significasse ter colocado cerca de 30 pessoas a centímetros de ver a roupa interior dum dos elementos femininos do grupo, rindo alarvemente da graçola, pude perceber que, como sempre, as crianças são criadas á nossa imagem. 

E como a prosa vai já longa, e a hora é tardia, nem vos vou falar da senhora que decidiu ir no meio do corredor principal do piso 0, a andar mais devagar que um caracol obeso, a parar de 20 em 20 centímetros mesmo no meio do caminho. Tambem não vos vou confessar que lhe acertei com o carrinho de compras nos calcanhares, não de forma violenta, mas com a firmeza certa para a fazer parar, soltar um "AU!", e fazê-la olhar para o lado, indignada, enquanto a ultrapassava pelo lado contrário.

É que, sabem, nem todos temos tempo de sobra para andar a gastar horas e horas dentro dum shopping, dentro duma loja, só porque sim, ou porque "sopas". Há quem tenha algo para fazer, que se chama "viver". 

Muitos insurgem-se contra a crise de valores que afecta de grosso modo as sociedades ocidentais nos dias que correm. Chamam-lhe, erradamente (na minha opinião), crise geracional. Não podia discordar mais desse termo. 

A tal crise de valores de que se fala é uma conjugação de estupidez, burrice e falta de educação, passada sim, de geração em geração, de forma cada vez mais rápida e descontrolada.

No fundo, o modo como o ser humano português se comporta no Shopping é o reflexo perfeito da sociedade actual. E o panorama não é animador.