terça-feira, 14 de março de 2017

A reviravolta de uma vida - Parte II

As notícias que me afastaram tanto tempo da escrita não podiam ser mais variadas. Respeitam diferentes áreas da minha vida e implicam diferentes graus de empenho. O que leva à segunda novidade: um novo emprego!

Não me considero uma pessoa desmedidamente ambiciosa. Gosto do que faço e quero sempre melhorar o meu conhecimento e adoro quando me são colocados desafios. Talvez concordarão comigo que, quando uma pessoa faz a mesma coisa muito tempo, estagnamos e não evoluímos. A verdade é que trabalho em contexto clínico há algum tempo, mas este desafio profissional foi um sonho que guardei muito tempo e que veio na altura certa.

A proposta inicial era entrar num grande grupo e introduzir o conceito de minha área numa perspectiva nova e fresca. Inicialmente, seria trabalhar na minha especialidade, mas com os métodos e as regras inteiramente decididas por mim. Como disse, um sonho! Mas, como em todos os sonhos, existe um senão escondido e a minha peripécia não foi excepção.
As primeiras reuniões correram muito bem. Os "chefes" estavam receptivos às minhas ideias e tudo estava a ser aceite. Antes de apresentar serviço, já estava a receber elogios. Contudo, ainda faltava "colocar a mão na massa"!

Depois de um interregno esperado para aprovação oficial, eis que surge o primeiro "contratempo": afinal iria trabalhar numa área diferente - quase oposta, para ser sincera -, mas seria um primeiro passo para atingir a especialidade pretendida. Segundo eles, era o meio para atingir um fim.
Continuei o trabalho e arranquei dois meses depois, na especialidade que me colocaram e com muitas limitações.

Antes de avançar, gostaria de fazer uma pequena ressalva: desde que terminei o curso, tenho uma opinião muito clara sobre o conhecimento geral do que eu faço: a minha profissão, embora extremamente importante em todas as áreas da vida de uma pessoa, é um caixote de lixo dentro da área da saúde! Ninguém sabe o que é, ninguém percebe onde se encaixa, ninguém sabe quando se aplica e desconhecem a sua pertinência. Todavia, quando falo com colegas de saúde - e já falei com muitos - todos respondem que conhecem muito bem o meu trabalho. Pois bem, a verdade é que estão errados. Baseiam as suas opiniões em senso comum infundado e, com essa ignorância, prejudicam toda e qualquer necessidade de estar em clínicas, hospitais e centros de saúde! O meu trabalho torna-se difícil devido à ignorância daqueles que se auto-intitulam de "senhores doutores".

Regressando ao meu relato, dou por mim a trabalhar numa equipa em que ninguém sabia o que eu estava ali a fazer. Chegaram a inventar funções para que eu estivesse "ocupada" e sempre com a arrogância de conhecerem muito bem a minha profissão. Perante estes contratempos, nunca baixei os braços e nunca me deixei derrotar. Tive conversas mais acesas com colegas, reuniões de engolir sapos e até tive que chamar atenção aos "senhores doutores", mas persisti.
Não foi fácil, não vou mentir. É necessário arranjar forças que, por vezes, nos faltam e ganhar a motivação para encarar todos os dias com um olhar refrescante, mas a minha persistência prevaleceu.

Passados 3 meses, posso dizer que o projecto estava a andar sobre rodas: tinha uma auxiliar destinada a dar apoio; já tinha um papel definido e correto dentro da equipa; a classe médica reconhecia a minha existência; e, o mais importante, os utentes e seus familiares estavam a notar diferença. Sucesso! E um sucesso que se materializou na contratação de mais uma colega. Senti-me realizada e muito orgulhosa!
Passados outros 3 meses - 6 desde o início do desafio -, o serviço estava perfeitamente sincronizado e todas as áreas funcionavam em harmonia. Tinha conseguido!

Uma profissional reconhecida no grupo, com o projecto a ser reproduzido nas restantes unidades hospitalares e com o sucesso a manter-se! É a concretização de um sonho..................... OU NÃO!
A verdade nua e crua é que o projecto efetivamente está a ser um sucesso e que está a ser utilizado nas outras unidades hospitalares, mas eu? Eu fui dispensada! Afastei-me do trabalho pelo melhor motivo da minha (nossa) vida - gravidez - e quando regressei, tinha perdido o meu lugar!
Todo o meu trabalho, todo o meu empenho, toda a minha persistência, toda a minha resiliência não serviram para absolutamente nada! Como me ausentei para ser mãe (uma pedra no sapato que ainda incomoda muita gente nos dias de hoje!), eles acharam que qualquer outra pessoa poderia fazer o mesmo trabalho e que eu, a mentora do projeto, poderia ser dispensada!

A minha tristeza resulta apenas e somente de uma simples conclusão: vivo numa época em que não se valoriza a criatividade, a pro-atividade, nem a resiliência! O que este grande grupo médico fez não foge ao que os grandes grupos e empresas fazem ao trabalhador que produz: tratam-nos como números e como matéria-prima barata que, ao sinal do menor problema, é substituída por uma peça nova. E, ao que parece, a gravidez ainda é um "pequeno problema" nas mulheres trabalhadoras! Somos pagos como se fizessem caridade e sob o pretexto de "haver quem queira, caso eu ache pouco"! Rejeitam quem se atreva a remar contra a maré e promovem os bufos, os bajuladores e os passivos.

Tive que dizer aos meus pais que tinha sido transferida de unidade, porque a vergonha é avassaladora.
Hoje, partilho com vocês a dor que me atormentou nestes últimos 10 meses. Já chega de silêncio.

Pena que, passado quase 2 anos exactos, a minha queixa não seja muito diferente do artigo que redigi em Fevereiro de 2015, "Um desabafo nada original".
Desculpem-me se estou repetitiva. Talvez ainda acredite que isto vai mudar.

Até breve
J