quarta-feira, 18 de junho de 2014

"Churrascada" a quanto obrigas!

Uma vez que adoptei a cidade do Porto - berço do Z - como minha casa, só seria justo que o Z conhecesse as minhas origens para consolidar a relação: a minha família, os meus amigos, o local onde cresci e todos os meus esconderijos enquanto menina e moça. Essa viagem concretizou-se no verão seguinte ao início do nosso namoro.

O Z estava ansioso e nervoso com a descoberta, mas eu estava muito mais. Quando uma relação assume patamares mais elevados de seriedade, a aprovação de família e amigos torna-se uma questão importante. A minha mente estava assoberbada de receios e questões que só o inevitável encontro poderia responder. Era aquele o momento da verdade e não havia mais como contorná-lo.

Ao chegar a casa dos meus pais, fomos presenteados com uma verdadeira merenda açoriana (Sopas do Espírito Santo - que, para quem não sabe, debate-se em ringue com as sopas de cavalo cansado) e vinho à mercê. A conversa desenrolou-se com naturalidade e os meus pais aceitaram o Z quase de imediato. Foram reveladas as velhas histórias de infância que os pais sentem SEMPRE necessidade de partilhar, mesmo que nos embaracem em qualquer momento, mas este primeiro tête-à-tête revelou-se calmo e descontraído e uma boa preparação para o que viria a seguir.

O segundo encontro revelar-se-ia o mais marcante na visita de Z à ilha.

Sempre que o verão dá os seus sinais, os meus amigos próximos sabem que está na altura de preparar a velha "churrascada na adega". Todo este ritual ganha novos contornos quando um novo elemento se junta ao bando, principalmente por motivos do foro amoroso.
A chegada do Z ao grupo não foi excepção e os preparativos foram todos colocados em marcha.
A chegada ao "local do crime" deu-se ao início da tarde, naquele que seria um serão para durar enquanto a nossa stamina nos permitisse. Carne variada, acompanhamentos dignos e cerveja para regar o estômago. Todos os ingredientes para um dia bem passado.
Após as necessárias apresentações, pouco demorou até que o Z se sentisse em casa e começasse a falar com o pessoal como se os conhecesse de tempos passados. A tarde correu sem percalços e isso fez com que Z perdesse todo o receio que, tanto ele como eu, sentíamos pelo derradeiro encontro.
Já a lua dominava o céu estrelado quando surge a proposta de um jogo para animar o grupo. Após um debate curto e ameno, todos concordaram que se jogaria aquele que se chama "o jogo do riso", consistindo numa simples embora cómica formação em círculo em que cada elemento, em vez alternada mas sequencial, tocaria no rosto de outros elementos tentando "arrancar" uma gargalhada para eliminar adversários. As regras eram simples: quem desse uma gargalhada, seria automaticamente excluído.
O Z entrou no jogo e assumiu o papel de adversário competitivo, determinado a provar que não se deixaria levar por qualquer toque.
Eu saí quase no início do jogo. Numa jogada de mestre, um dos meus amigos conseguiu pintar um belo risco negro pela testa do Z e ele ficou irreconhecível. Tinha desenvolvido uma "monocelha" sem dar-se conta. O facto do Z ter-se mantido sério, por respeito às regras, sem a mais pequena ideia do Picasso que se pincelava no seu rosto, deu mais ênfase à piada.

(Quase que aposto que, neste momento, pragas estão a ser rogadas à minha pessoa por ter permitido que isso acontecesse. Meninos e meninas, senhores e senhoras, se vos dá algum conforto, eu também passei pelo mesmo o que, em linguagem de mulher, é terrível - borbulhas, pele oleosa.... enfim, uma série de dramas na nossa imagem!)

O jogo demorou algum tempo, o suficiente para que pouco sobrasse da cor natural de pele, e o Z manteve-se no círculo cada vez mais curto, sem ceder às gargalhadas, nem aos apertões de nariz de que era sujeito. Foi uma revelação! E ele estava compenetrado!

Quando o grupo estava reduzido apenas a 3 pessoas, a "luta" final revelou-se entusiasmante e o Z acabou por ser o derradeiro vencedor.
Ele estava confiante e, de certa forma, orgulhoso.

O choque não tardou a chegar...

Com tanto toque (recebido e dado), o Z sentiu necessidade de ir à casa de banho para lavar as mãos. Pelo caminho, confidenciou-me que o jogo nem era complicado e que tinha sido engraçado vencer na sua primeira vez. Não consegui proferir nem uma palavra nessa curta "viagem".
Ao chegar ao WC, encarou-se ao espelho e finalmente pôde verificar o porquê do círculo ter diminuindo de forma considerável a cada gargalhada. Os dois cúmplices colocados estrategicamente ao seu lado no círculo tinham pincelado a sua face de negro a cada toque.  O Z estava verdadeiramente irreconhecível!
Soltaram-se gargalhadas estridentes, tiraram-se fotos "para mais tarde recordar" e o pessoal foi todo ao seu encontro dar-lhe os parabéns pelo cumprimento do ritual de iniciação. Era um momento especial (embora embaraçoso, confesso) e o Z era o special one.
Desde então, o Z foi tratado como um  dos nossos e não como uma visita e a churrascada continuou até às primeiras horas da madrugada.

Agora posso confidenciar-vos que ele não achou piada nenhuma quando se viu ao espelho. Mas também vos digo: foi uma imagem linda de se ver!

Depois destes encontros, levei-o aos meus locais secretos, às minhas recordações de infância e mostrei a ilha aos meus olhos. Arrisco a dizer que dei origem a um picaroto (ainda que não seja picoense) que será sempre bem recebido.
A minha mente acalmou, as dúvidas desapareceram e planeámos um regresso.

Agora, jogar o "jogo do riso": nunca mais! Ah ah ah


Beijinhos,
J

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