quinta-feira, 5 de julho de 2018

Plano dos 35

Sei que já não escrevo há muito tempo, mas o último artigo do Z foi intimidante em termos emocionais. Precisámos de tempo para digerir a situação que ele tão eloquentemente descreveu e eu precisei de coragem para escrever depois de um texto soberbo.

Hoje posso dizer que estou num dia inspirado! Sim, agora que sou mãe, sou perita na arte de cuidar de bebés, dar conselhos desnecessários e inconvenientes e de comentar episódios que todos conhecem, mas que, comigo, são sempre mais e melhores. Contudo, não vou escrever sobre isso. A minha inspiração leva-me a falar do dia em que descobri que estava gravida pela segunda vez. Sim, segunda! Já somos 4!

Mas antes de contar-vos a história em torno da grande novidade, quero que me conheçam mais um bocadinho. Diria que uma ideia fora de contexto pode ser erradamente interpretada, portanto cabe-me esclarecer como cheguei ao dia em questão.

Sempre me considerei uma pessoa organizada, com tudo planeado e com os objectivos pessoais bem definidos. Em criança, gostava de organizar os meus livros por ordem alfabética e nunca iniciei um novo ano escolar sem uma agenda onde pudesse registar tudo: testes, trabalhos e actividades extra-curriculares. Já em fase adulta, a agenda manteve-se como um hábito necessário e, na minha cabeça, tinha estabelecido tudo o que iria fazer até aos 35 anos de idade, com pormenores e prazos definidos: queria terminar o meu curso, começar a trabalhar o mais cedo possível para ter independência financeira e, algures pelo caminho, encontrar a minha cara-metade. Ao fim de 5 anos de trabalho, pensaria em casar (caso a minha cara-metade já estivesse no plano!), ao fim do primeiro ano de casamento viria o primeiro bebé, com um irmão/ irmã a surgir 4 anos depois. Claro que tinha tolerância com os prazos, porque as coisas nem sempre correm como previsto, mas esta seria a minha ordem cronológica dos acontecimentos.



Como eu estava enganada!!

O primeiro “percalço” aconteceu na universidade quando não concluí o curso de Direito. O mundo que idealizei de uma formação universitária desmoronou-se quando percebi que a força de vontade e o trabalho árduo não são suficientes para nos fazer chegar onde desejamos. Por mais que quisesse atingir o sucesso, a realidade teimou em vergar-me e ceder perante a pressão. Não fui capaz de cumprir com as metas que me exigiram e não fui capaz de concluir o curso nos moldes estipulados. Baixei os braços e desisti. Desisti de uma parte do meu plano e, mais importante, desisti de um objetivo pessoal.
Então, regressei à minha terra natal, decidi voltar à escola para tentar uma nova entrada na universidade e comecei a trabalhar em part-time. Foi nesse mesmo verão, quando vi os meus colegas de secundário a regressar com licenciaturas concluídas, que a realidade me atingiu.
Fiz, então, os exames nacionais e abracei um novo projeto e um novo objetivo: mudei radicalmente de curso e segui rumo ao Porto. Nesta altura, os tais planos até aos 35 anos tinham sofrido remodelação profunda, mas continuava esperançosa e até curiosa para ver até onde podia ir.
Conclui o curso de Terapia Ocupacional no tempo previsto, sentindo-me mais realizada, e conheci o amor da minha vida, entretanto. Posso dizer que houve uma ligeira adaptação aos planos, mas estas mudanças são sempre bem-vindas. Foi um período em que o plano pareceu voltar aos eixos e que, se fizesse um esforço extra, conseguia cumprir o "planeado" antes dos 35.



Surge, então, o segundo “percalço”! A minha responsabilidade dita um regresso ao Pico para trabalhar, mas isso já vos contei no artigo tripartido deste blogue (A Reviravolta), logo não há necessidade de me repetir. Contudo, foi outra alteração não-planeada ao meu “plano dos 35”.
Depois de muito suor, muita emoção e muita determinação, regresso ao Porto e dou inicio à procura de emprego para encarreirar o bendito plano. A chatice é que o plano não contemplava dificuldades em arranjar emprego, muito menos com condições mínimas e isso estava a atrasar a fase de iniciar família. Por esta altura, o meu “plano dos 35” já tinha sofrido tantas alterações e tantas mudanças que mais parecia uma contorcionista chinesa sob efeito de drogas. E, sinceramente, já nem acreditava que conseguiria cumprir qualquer objetivo do plano.

Quando nasceu o F, decidi reformular todo o plano e tomar as rédeas da minha vida a partir daquele momento. Embora a vinda para França tenha sido uma adenda ao novo projeto, foi algo que já nos tinha passado pela ideia e que não era propriamente uma novidade. Decidi apostar tudo em procurar emprego em França apesar das dificuldades que isso poderia representar e limpar todo o rasto de incumprimento deixado em terras lusas. Queria cumprir alguns dos objetivos originais que defini para mim e poder sentir alguma realização pessoal. Estava em marcha um novo planning!

Chegamos a França e instalamo-nos na nova casa. Com isso veio a adaptação à nova língua e à nova cultura e eu estava a habituar-me à ideia de trabalhar numa área diferente da minha formação. Conhecemos outros portugueses com histórias semelhantes e tudo estava a encaixar-se na perfeição. Ah, e tinha acabado de celebrar os 35, portanto até nem estava muito fora do prazo relativamente ao plano original.

Foi então que descobrimos que eu estava grávida.

Num qualquer dia dos últimos 10 anos, a novidade de uma segunda gravidez seria motivo de alegria, amor e de celebração. E para o Z a noticia representou isso mesmo, mas para mim teve um efeito completamente diferente.
Ao fim de 17 anos, tinha recuperado a minha força de vontade e motivação para arrancar com o pé direito e adaptar-me às circunstâncias. Estava mentalmente preparada para falar noutra língua e respeitar outros requisitos profissionais, para retomar a vida ativa e finalmente receber um salário justo e adequado à minha função, mas, acima de tudo, para definir um plano como o tinha feito no princípio e cumpri-lo.
Quis o destino que a “chapada de luva branca” fosse uma gravidez! Quase como se soubessem que eu queria ter mais filhos e que isso seria a única razão para adiar tudo. E isso fez com que reagisse mal - muito mal - à notícia.
Chorei e ralhei comigo. Não me perdoei. Apercebi-me, nesse momento, que todas as alterações, todas as adendas, todas as desistências do plano original tinham representado um uso desmedido da minha energia e força nos últimos anos. E senti-me traída! Como se fazer planos a longo prazo fosse uma armadilha em que seria inevitável cair.
Quando devia estar a celebrar mais uma adição à minha maravilhosa família, estava a chorar porque, mais uma vez, não conseguia cumprir um plano fictício que existia apenas na minha cabeça. E chorei durante algum tempo.

Foi complicado ganhar coragem para escrever sobre isto. Não porque quisesse ou devesse escrevê-lo aqui, mas porque precisava de aceitar a realidade de tudo o que se passou. E principalmente porque quero que o meu filho compreenda o motivo da minha reação  e que saiba o que realmente significa para mim.

No dia 15 de Abril, pelas 7h56, apercebi-me que a vida tem mais sabor quando as coisas saem fora das linhas, quando o inesperado acontece e quando a única certeza é a de que temos ao nosso lado as pessoas que mais amamos.
Aprendi a viver um dia de cada vez e relativizar as coisas. De aceitar cada momento, cada notícia, cada decisão e cada “percalço” na exata medida do seu valor e deixar que a vida seja uma viagem sem rumo certo, uma aventura sem fim.
Isto só se tornou possível por causa dele. Na verdade, por causa de todos eles. Só assim posso dizer, sem hesitar, que a realidade saiu melhor que o maldito “plano dos 35”!



Obrigada aos meus filhos por provarem que eu estava errada.


J

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